Um peixe fora d´água... Eu?
Tá! Antes que alguém questione o porquê das aspas na
palavra enfermagem, já me justifico de antemão: Como estou escrevendo em
português, o bom leitor entenderá que curso de enfermagem é universitário, tal
qual como no Brasil, mas não. O curso de enfermagem aqui é um “Ausbildung” que
significa: Treinamento, instrução, formação profissionalizante... Entre outros
substantivos e traduções, “Ausbildung”= curso/nível médio de escolaridade, não
superior.
No Post anterior expliquei mais ou menos como é o curso
aqui na Alemanha, portanto não se preocupem, não pretendo me repetir (apenas
explicar as aspas que pendurei na palavra Enfermagem
aqui).
Eu meio que já fui preparada para o pior, mas o pior
foi muito pior do que eu imaginei. Cheguei à instituição de ensino na cara do
gol, por pouco não encontro minha sala de aula (péssimo sinal), mas
consigo chegar faltando três segundos para fecharem a porta, sendo a ultima a
dar o ar da graça. A sala já está cheia, todos posicionados em suas carteiras.
Vou caminhando como se nada fosse nada entre os desconhecidos até ver um lugar
vago no fundão. Sento-me. Não olho para os lados. Estou assustada. Pareço um
bicho. Uma vez alocada com a bunda e meus pertences, começo a observar a turma.
Meu Deuzzz! São crianças! E no fundo
onde estou sentada, meus vizinhos não têm mais que 16 anos! Está frio, mas
começo a suar. Acredito que pelo incômodo do habitat novo, transpiro pelas
axilas mais que o normal, muito mais! Tento esquecer as crianças e vou à caça
visual de algum adulto entre esse grupo juvenil de estudantes. Encontro uma
mulher que parece ter passado a casa dos trinta. Bom sinal? Já veremos... Há
uma negra no grupo que também pode me interessar: além de mais velha, ela é certamente
tão estrangeira quanto eu.
Temo que as crianças ao ouvirem meu acento latino,
façam algum tipo de Bullying ou que falem de mim pelas costas, excluindo-me e
ignorando-me por algum processo intrínseco xenofóbico do qual elas não conseguem
evitar. Estou ficando paranoica! Chega o momento das apresentações. Caralho! O
povo é muito jovem. Esse pessoal recém-saído do primeiro grau ainda não fez
porra nenhuma da vida. Agora foco no que devo dizer quando chegar o momento da
bosta da minha apresentação: Falo muito ou falo pouco? Mostro tudo o que já fiz
ou omito a bagaçada inteira para parecer tão inexperiente quanto eles, e assim,
ter mais chances de me enturmar? Mas... eu quero mesmo me enturmar com alguém
ali? Duvido.
Vamos ao anfiteatro. Lá, formamos um círculo. O
professor que está moderando o primeiro dia de aula parece mais inseguro do que
todos nós juntos. Insegurança eu perdoo, mas aquele jeitão de quem é o
imperador de Roma, não. Já peguei antipatia na primeira palavra que saiu da
boca do cara. Ele faz brincadeiras dãhhns no intuito de ser engraçado,
mas não consegue. As crianças riem do que ele fala, e por isso gosto menos
delas do que do professor agora. Quando o “professor” explica como será o
curso, ele já chega contando que será foda, que não teremos mais tempo para
coçar o saco quando esse estiver comichando, que o curso será muito difícil,
que muitos estudantes irão desistir já no começo, que atrasos não serão
tolerados... Bem, ele é o tipo do cara babaca que não sabe que é babaca, pois está
ocupado demais em bancar o fodão, mas quando senta a blusa levanta e parte do
cuzão dele, mostrando o cofrinho, fica de fora. Sem dizer que ele dá “aulas”
(assunto para mais tarde) sempre com as mãos dentro do bolso, fazendo aquelas
piadas que não são piadas sobre cocô de paciente, mudando o tom na voz de alto
para baixo, de fino para grosso (deve ser autodefesa isso), fazendo o idioma
que já não é nada fácil para mim, ficar ininteligível.
Começo a odiar esse curso que ainda nem sequer comecei. Minha expressão é de desconfiança e
terror. Estou prestes a jogar uma pedra nas costas de alguém. Não sei o que
eles pensarão de mim, tampouco sei o que pensar deles. Não sei se eles gostarão
de mim, mas começo a duvidar se poderei gostar dessa gente. Agora, dentro da
minha cabeça fico ensaiando minha apresentação que deverá ser feita em um
alemão muito bonito e sem erros para iniciarmos as boas impressões com chave de
ouro.
Quando D., a mulher dos trinta e tantos anos faz a apresentação dela, não sinto qualquer química pela criatura, pois além de ela falar lento (lentíssimo!!!), ela fala muitíssimo (bem) de si mesma. Eu até que encontrei algumas semelhanças entre o meu currículo e o dela, não nos cursos que fizemos (pois a área dela era a de engenharia técnica até então, enquanto a minha, humanas), mas na quantidade deles. Muitos! Todos começados, nenhum terminado. Não nos adatamos em poha nenhuma. Apesar de tantos anos em ambiente universitário, e agora já velhinhas, caindo aos pedaços, não temos uma profissão. Que burras! Característica essa que pode nos definir na psicologia como criaturas exigentes e confusas, ambas do signo de Libra (mentira, só eu) na dificuldade em tomar decisões e facilidade em vacilar. Talvez eu já a odeie de imediato porque ela me faz perceber (também de imediato) aquilo que eu não devo fazer quando chegar o momento de falar sobre mim mesma. Pensando nela (e naquilo que eu não devo fazer) decido ser o mais breve possível quando chegar o meu momento.
Quando D., a mulher dos trinta e tantos anos faz a apresentação dela, não sinto qualquer química pela criatura, pois além de ela falar lento (lentíssimo!!!), ela fala muitíssimo (bem) de si mesma. Eu até que encontrei algumas semelhanças entre o meu currículo e o dela, não nos cursos que fizemos (pois a área dela era a de engenharia técnica até então, enquanto a minha, humanas), mas na quantidade deles. Muitos! Todos começados, nenhum terminado. Não nos adatamos em poha nenhuma. Apesar de tantos anos em ambiente universitário, e agora já velhinhas, caindo aos pedaços, não temos uma profissão. Que burras! Característica essa que pode nos definir na psicologia como criaturas exigentes e confusas, ambas do signo de Libra (mentira, só eu) na dificuldade em tomar decisões e facilidade em vacilar. Talvez eu já a odeie de imediato porque ela me faz perceber (também de imediato) aquilo que eu não devo fazer quando chegar o momento de falar sobre mim mesma. Pensando nela (e naquilo que eu não devo fazer) decido ser o mais breve possível quando chegar o meu momento.
Meu pequeno príncipe. Motivação 100% |
Embora os primeiros dias de horror já não sejam tão
tensos, a transpiração intensa chegou para ficar. Somente nessa sala de aula transpiro
tanto assim nas axilas. É impressionante. As axilas me distraem. O dia é longo.
As aulas são chatas. Os professores não são professores. Meus colegas de sala
de aula são crianças. Os ensinamentos que nos ensinam já os aprendi pelo menos
uns vinte anos atrás. Estou pensando em suicídio quando bem nesse momento, a
professora que não é professora me faz uma pergunta. A pergunta é boba e minha
resposta ainda mais, pois por não dominar o alemão em seu vocabulário
científico, acostumo-me a não participar das aulas (a maioria ditadas), então quando
falo, só abro a boca para dizer bobagens.
“Frau Lechner, por que é importante
um determinado PH no sabonete de lavar as mãos?”
Muito mais focada em dizer tolices do que responder
como uma mulher adulta, eu que estava viajando nesse momento em algum lugar
muito distante, respondo de supetão (pois por um tris quase que não entendo
sequer a pergunta):
“Porque o PH apropriado faz uma lavagem de mãos maravilhosa!”
Todos riem, menos a professora. Sacanagem! Que falta
de humor, poxa!
Mama Loka e seus porkinhos |
Depois de instaurada certa intimidade, é só Mama pra cá, Mama pra lá. “Mama, tenho fome!” (É a que mais ouço).
Volto da pausa dia desses e descubro que um dos meus
filhos acaba de peidar ali. Antes de termos essa camaradagem, eu descobria os
flatos apenas através dos cheiros de bosta, mas depois de virarmos família, passei a descobrir quando um
filho meu peida não apenas através do odor, mas porque eles me contam às
gargalhadas quem foi, dando nome e sobrenome ao peidão.
Como o dia de curso é longo (malditas 8 horas diárias),
depois do almoço, como de costume, vou ao banheiro escovar meus dentes. Meus
companheiros, tanto homens quanto mulheres (pois o banheiro é unissex), ficam
bem curiosos pelo fato da minha higiene bucal ser praticada nesse horário.
“Você vai ao dentista agora?”
“Você não escovou seus dentes hoje de manhã?”
Ao perceberem que eu repito a ação extremamente incrível de escovar os dentes todos os
dias no mesmo horário, eles, curiosos, voltaram a indagar:
“Peraí, não vá me dizer que você escova os dentes todos os dias?”
Surpresa!!!! Exclamo, e alguns dias depois me escondo
no banheiro do andar de baixo para escovar os dentes, pois não quero ser a
diferentona da turma. Não quero que eles pensem que estou tentando mostrar algo
aqui, simplesmente porque tenho o costumo repulsivo e intrigante de fazer a
higiene bucal após as refeições. Eu não quero ofender ninguém!
Então, desculpa
aí, tá?
Por coincidência, logo na terceira ou quarta semana de
curso, temos que preparar uma palestra sobre higiene bucal. Aha! O grupo é
formado ditatorialmente por escolha da professora que não permite panelinhas.
No meu grupo uma garota de 16 anos acima do peso, extremamente confiante e dona
de si, não somente com a barriga caindo para fora da calça como também com os
cabelos oleosos e os dentes da frente podres, afirma que nosso tema de trabalho
deve focar em ensinarmos filhos de
estrangeiros a cuidarem dos dentes. Tá! Paciência tem limites. A nonsense fala isso certamente no intuito
de me provocar, pois tão focada em atingir os estrangeiros que vivem na
Alemanha, ela esquece que os dentes dela estão marrons. Confesso que eu
preferia ter dado um soco na cara dela, mas como violência dá cana é a última saída, optei por fazê-la pensar, bradando em alto e bom som:
- “Para ensinarmos filhos de estrangeiros a escovar e cuidar dos dentes, nós teríamos que ter nossos próprios dentes muito bem cuidados como bom exemplo a eles. Você acha que é um bom exemplo, J.?”
Disse isso e sorri bem branco, vendo-a com muito
prazer, enrubescer de raiva. Vamos concordar que o simples fato de ser alemão
não dá o direito a esse alemão ensinar estrangeiros a escovarem os dentes,
muito menos quando esse alemão – com pretensão de professor bucal - tem os próprios
dentes piores que os dentes daquele que ele pretende instruir.
A partir daí viramos inimigas.
A ideia de ensinar higiene bucal a filhos de
estrangeiros vai por água abaixo, e a próxima treta é a questão:
“Quantas vezes por dia devemos escovar os dentes?”
Eu já afirmo ao grupo de patetas que devemos escová-los
após as refeições, e completo dizendo que faça chuva ou faça sol, eu escovo
meus dentes pelo menos três vezes ao dia. Minha alegação é definida rapidamente
como “questão cultural”.
As pessoas no Brasil escovam
muito os dentes porque aprenderam ou se acostumaram assim, não porque isso seja
correto ou necessário –
palavras de um membro do grupo.
Certamente é por isso que no Brasil todos têm um lindo
sorriso Colgate, só que não.
A professora que nos dá o trabalho sobre higiene bucal
chega até nosso grupo para saber como estamos nos virando, e quando ela sorri...:
Barbaridade! Quase caio para trás da cadeira! Os dentes da criatura pareciam os
de um cabrito com tártaro! Para não dizer apenas SURREAL, tremenda cara de pau
de uma docente ser a orientadora de
tal tema de trabalho quando sequer a própria sabe como fazer isso!
Alguém, por favor, me tira daqui!!!!!
Trabalhinhos em grupo, apresentações pessoais com cada
novo professor (eles são pelo menos uns trinta) ora apresentando-se ora
apresentando o amiguinho, educação
religiosa com direito a ética cristã
(chuta a minha cara agora) entre as disciplinas de enfermagem, professores que
não são professores e falam para dentro, outros que dormem em sala de aula. Professores
que gritam e espumam pela boca quando há algazarra e retiram baralhos,
joguinhos e celulares das mãos dos estudantes, escondendo-os. Gente que te
morde (próximo Post), que fala sozinha, povo que quer cuidar dos dentes alheios
quando os próprios estão caindo aos pedaços, professores que em dia de prova
examinam até a caneta do aluno para ver se não há cola (por falar em cola, as
minhas nunca foram descobertas J)... Sei lá! Não
dá! Estou perdendo as estribeiras aqui.
A gente pensa que vai fazer um curso desses na Alemanha
e viver feliz para sempre, só que não. Não mesmo...
E eu aqui achando que poderia sofrer algum tipo de
discriminação por ser estrangeira... Quando Que NaDa!
Aqui quem discrimina sou eu!
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1. Está vetado o linguajar muito sacana ou ofensivo - salvo exceções bem aceitas, do tipo: xingar o próximo (isso pode!).
2. Se quiser delirar, procure a torcida do flamengo, pois de sacana aqui já basto eu!
3. A gerência de marte agradece a compreensão!
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