Liberdade!
Quase seis meses fora da rede,
sem histórias, sem piadas e desinformações. Seis meses longe dos meus
grandes amigos do peito, aqueles mais de quatro mil que conquistei com muito
suor, e mantive com lealdade, ao longo dos três anos de uso da rede. Aqueles
amigos que nunca antes vi na vida, mas que no entanto escreviam-me de forma
pessoal e elogiavam minha beleza, como se me conhecessem há décadas. Ainda
penso naqueles elogios profundos que o povo do FB se acostumou com tanta
perspicácia e sinceridade em fazer: “lindaaaaaaa”, “maravilhosaaaaa” “princesaaaa”
(O excesso de aasss deve ser porque o indivíduo está berrando, e através do efeito
sonoro que causa ao aumentar qualquer palavra, consegue um adjetivo mais intenso).
Acreditem ou não, mas embora o
dolo por ter perdido o contato com essa gente, nem sinto falta daquelas
fotos da Cleide tiradas na frente do espelho; ou aquelas de peitos apertados
pelos próprios braços nas fotos da Susi; na boca de pato nas imagens que Malu
postava antes de dormir quando se sentia bonita, estava com tedio, sem sono ou
simplesmente sem coisa melhor para fazer. Nem sinto falta daquela
enxurrada de fotos que Mariana postava sobre sua filha bebê comendo a primeira
papinha - com aqueles babadores que dizem:
“Sou da mamãe” ou “Sou
do Corinthians”...
As mensagens de “luz” de Maria,
tratando todos seus amigos da rede por anjo e suas amigas por flor.
Nem tenho saudades das piadas homofóbicas do João, sempre exaltando seu pinto
hetero como herói dessa sociedade pervertida – tendo ele o bilau politicamente
correto da nação. Nem senti falta da agressividade nos posts sobre política de
Gustavo: o único capaz de reconhecer e apontar os erros no atual cenário. Sua
ciência baseava-se, basicamente, em gritar:
“Cambada de fdp! É por isso
que o país está na merda, por causa de sacanas como vocês! Vão se foder
malditos ladrões...”.
Sim, ele sabia mesmo como
escrever e tinha uma oratória muito sábia. Tampouco sinto falta das fotos de
carros importados que o Gui adorava postar, ou menos ainda, das mulheres
peladas e tatuadas do Renato.
Acreditem ou não, mas não
tenho saudades das indiretas da Irene – aquelas minadas de supostas certezas de
que ela é uma mulher correta, honesta, coerente e sadia, enquanto o
“indiretado” não presta para nada, é malvado, não tem coração... A Irene também
era a mulher que usava palavras difíceis em suas indiretas com a intenção de
doutrinar o público (seus amigos virtuais), explicando o significado de algumas
palavras entre parênteses, sempre lúdica e informativa, focada na missão de
deixar os burros menos burros. Que inteligente era com todas aquelas palavras
de dicionário e mesóclises que inventava... (A culpa da mesóclise mal empregada
não era dela, afinal, quem de nós, para escrever bonito, não as coloca em
lugares errados apenas para soar mais imponente? Se está certo ou errado é
outro esquema...).
Talvez sinta falta da Edileia que
quebrava o maior pau quando um ateu infeliz discordava de seus posts de
adoração a Deus. Por falar no filho de Deus, lembrei-me do Ronaldo, que
mantinha firme sua missão de converter, evangelizar, e doutrinar seus amigos
via on-line.
Quantos posts de rezas, provérbios, mensagens de luz, discussões religiosas, xingamentos de política, indiretas de Cleide para Mileide, poesias, fotos de bebês babando, de cachorros cagando, frases de Gina, piadas de Charlie Sheen... devo ter perdido desde que exclui meu perfil no FB? Às vezes penso nisso com nostalgia... Dói-me o coração! Que maravilhoso era ver aquela gente (mais de quatro mil amigos que tinha por lá) compartilhando cada minuto de felicidade, cada pum, cada momento de fome, quando comiam, ou o que comiam, quando acordavam..., em momentos que até então (antes do advento FB) eram íntimos, secretos, resguardados na privacidade.
A palavra de ouro dos usuários do
FB é MOSTRAR, o que se tem e o que não, o que somos, e principalmente, o que
não seremos NUNCA. Enquanto uns tentam mostrar que são normais, outros tentam
desesperadamente mostrar que são loucos, descolados, capas de revistas em fotos
montadas, modelos que não foram descobertos, artistas, poetas, pessoas
sensíveis, inteligentes. São pessoas que vestem a camisa do contra, do favor,
dos elogios, dos insultos, da guerra, da paz, de movimentos babacas, de
palavras cheias de artifícios, de diretas, de indiretas, da balada, do familiar,
dos solteiros, dos traidores...
Importante não é SER, mas
PARECER, já dizia um filósofo.
Só falta o nariz vermelho e uma
placa que diga: Comprem suas fichas e apostem todas em mim; em meu caráter
maravilhoso e em minha felicidade estonteante (a felicidade que demonstro ter,
e inclusive, dos meus segredos de ser assim... tão EU! Tão Demais!!). Morram de
inveja de minhas fotos, de meus posts, de minha alegria, do meu uísque, das
minhas drogas, do meu pensamento único, dos meus cabelos e pele macios, daquilo
que sou e vocês nunca, ainda que queiram, serão!
Era realmente o must toda
essa interação, mas ainda não sinto saudades da atmosfera intelectual e
informativa do FB; tampouco sinto culpa de poder ler um livro no lugar de ficar
com a carota enfiada na rede, lendo a opinião de Berenice sobre a falsidade de
seus amigos, marcando encontros futuros (ou discorrendo sobre passados) em rede
pública nacional. Aliás, se pudesse utilizar o tempo que disponibilizei ao longo desses três anos na rede, teria não somente lido oitenta livros, como escrito pelo menos dois mais.
Oh, Berenice disse que:
“Galera, estarei no pagodão do Crioulo doido sábado à noite, arrasando quarteirões”!Ok. Mas... E eu Keko, Bere? Para você e suas festas, ainda que destrua o bairro inteiro, ou a cidade, o Estado, o país...
Chamou-me a atenção que depois de
anos como usuários da rede, as pessoas ainda não aprenderam para que serve a
mensagem privada, ou vai ver é essa necessidade de mostrar ao mundo que suas vidas
sociais fora da rede existem e são extremamente movimentadas, que não as deixam
serem discretas e comportadas.
Falando em falta de
discrição, percebendo essa necessidade das pessoas de mostrarem ao mundo onde
estão, o que gostam e desgostam, fazem e comem, o FB passou a revelar ao
outro quando a mensagem enviada por ele foi visualizada, quando estamos on-line
ou não, quantas horas estamos ativos, desde quando não estamos... Bem, por isso
Mariana me cobrava com uma faca no pescoço três segundos depois de ter me
conectado: “Geyme, me responde! Eu sei que você está aííí!!” (olha o que o Fb
faz: Transforma cidadãos comuns em verdadeiros Sherlock Holmes no aporrinhamento
rastreamento de outras pessoas!).
Gentem, para tudo!! Se não
bastasse o FB ter focado todas as pontes de comunicação em uma só, agora ainda
podemos fazer ligações de grátizzzz! – Vai ver é por isso que ficamos
abobalhados, alienados, bitolas da cabeça.
Tem gente que aprendeu a dizer
"Eu te amo" somente depois de entrar no FB, via on line, de forma
escrita, em mensagem pública, para que todos vejam e saibam o tamanho de seu
amor. Não é meio assustador isso? Sei lá, nessa rede todo mundo ama todo
mundo... Deve ser contaminação do Pastor Feliciano que ama, eloquentemente,
todos seus irmãos. Não é aterrorizante perceber que o FB vicia, e que muitos
vincularam a própria felicidade e razão de viver a essa rede, e que se amanhã tudo
isso acabar, a felicidade de tantas pessoas acabará também? Você não tem medo
de se vincular a isso? Desperdiçar sua vida e alegria para mostrar aquilo que
não é e que não tem?
Se alguém que nunca soube se
expressar com palavras faladas, com gestos de carinho, que não conseguiu
conquistar seu amor com um olhar; que nunca soube fazer amizades duradouras no
decorrer da vida, que não conseguiu ser feliz antes, durante o real,
por que raios conseguiria agora, no virtual? MOSTRAR! Amo, sou amado,
sou feliz! Gentem, a felicidade nunca foi tão importante quanto agora, depois
de se descobrir que é possível exibi-la aos quatro ventos.
Viver no FB é muito mais fácil,
afinal, qualquer coisa é só teclar na tela excluir! Exclui-se o que foi dito, o
que foi respondido, a foto que não agradou, aqueles tempos de cabelo pixaim e
bóra para outra; vida nova, foto nova, atualizações novas e novas informações
de perfil! Hoje somos um, amanhã outros! Ficamos novinhos em folha, adequando
condutas para aquilo que esperam de nós, qualquer bobagem que agrade e gere um
comentário, curtindo mais agora do que antes tranqueiras que nos interessam
ainda menos. Papai, como quero ser conhecido!!!
Desde a popularização dos
celulares inteligentes, as pessoas caminham
olhando para baixo, metidas em seus aparelhos, trocando o momento real por uma Matrix,
uma conversa por um comentário, o concreto pelo virtual, uma imagem por uma
foto, por mais uma postagem; esperando serem curtidas, curtindo qualquer coisa
que não interessa para, em troca, receberem um like a mais em suas próprias
publicações, em troca de mais um seguidor que o compartilhe, sem tempo de ler
qualquer coisa em papel, de visitar alguém ou fazer uma ligação cordial...
Desesperadas e ofendidas quando suas fotos no Beto Carreiro não são curtidas
pelos invejosos amigos. Cartas? Foi-se o tempo desse método tão
antiquado! Deus me livre e guarde se tiver que comprar um selo!
Os mais adeptos e fãs
incondicionais de redes virtuais vão me xingar, dizer que no século XXI é
extremamente necessário ter um perfil no FB para sobreviver na selva (se um dia
estiver perdida e precisar de resgate). Outros afirmarão que o FB é uma via
para as pessoas demonstrarem suas felicidades através de fotos e fatos, e que
tudo isso NÃO é desespero, solidão, carência... Não senhor! (Será?)...Façam suas apostas!
Quanto mais penso na utilidade do
FB, MAIS ele me parece inútil.
Tem gente que se força a
participar da rede por acreditar que é a melhor forma de divulgar seus
trabalhos e tem gente que é forçada a participar para receber informações de
seu grupo no colégio, na Universidade, da cidade onde morava... Como se
interagir com esse povo (muitos, até então, mortos), fosse possível somente
através dessa maravilhosa rede babaca. Meu Deuzz, como fazíamos tudo isso no
passado, sem celular e FB?
Se de um lado um ganha muitooooo
dinheiro, o outro perde muitoooo tempo e inspiração (mas cada um deve saber
quanto seu tempo vale, não? Pelo que vejo, o pessoal vende seu tempo por
fofocas, para receber um elogio, por um amigo virtual para amar agora e outro
para xingar depois...).
Uma rede que permite imagens de decapitação, de pessoas e animais mortos, de pedofilia e pornografia (claro, essas devidamente camufladas), que divulga suas informações pessoais a terceiros transformando-as em ferramentas publicitarias, que o atola de spans, convites de joguinhos e mensagens coletivas; de provocações e mensagens de autoajuda, que forma a sua opinião e a opinião do seu filho com as opiniões mais idiotas do mundo... pode mesmo ser assim, tão sensacional? Uma rede de infidelidades, que põe em risco as relações, que provoca a desconfiança entre casais, que estimula o assanhamento do seu marido a ficar colado na rede vendo fotos de mulheres muito mais gostosas do que você, que facilita o descontrole de pais sobre seus filhos menores... está mesmo ao seu favor?
E você ainda tem coragem de ser
viciado nessa porcaria?
Se uma empresa farejou como
ganhar dinheiro fácil e ficou milionária com o tempo que você disponibiliza
nela postando sua vida (ou a vida que você gostaria que acreditassem que você
tem), e você acredita que fazer parte disso continua sendo muito legal,
e ainda veste a camisa com aquela frase que anuncia indiretamente que o FB lhe
faz um favor ao não lhe cobrar: “FB é de graça e sempre será”, meu
amigo... Vá em frente e seja feliz! Você é um alienado!
Nenhum dos meus quatro mil amigos
que tinha na rede se disponibilizou em me emprestar dinheiro quando minha conta
no banco estourou. Nenhum deles veio me visitar quando saí do hospital depois
de operar o braço quebrado, nenhum deles abriu uma champanhe comigo quando
comemorei algo importante, nenhum deles me emprestou um lenço quando ameacei
chorar. Desses quatro mil “amigos”, nunca vi nem a sombra do ombro
deles...
Chame-os do que quiser, mas
“Amigo”? Só se for da onça! Não quero nem de graça! Mas mesmo assim... Muito
obrigada pela oferta e experimento, Zuckerberg!
Auf wiedersehen PROVOCAÇÕES,
INDIRETAS, INUTILIDADES DE TODO TIPO!
A título de informação, a página do Boutique de Ideias
ainda continua por lá (no FB), mais morta do que viva.
FB? Me chama para jantar. Tô
fora!
Excelente texto. Hoje cheguei a conclusão de que deveria deixar minha conta e viver a liberdade de ser quem sou, despertando o mistério de que as pessoas precisam interagir pessoalmente comigo para tentarem saber que sou. Conexões <3
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