O pai entra com uma menina de
uns quatro anos no elevador. Teremos que subir até o décimo andar juntos. Dez
andares pode ser uma distância infinita quando se tem que percorrê-la com
desconhecidos. Olho para o pai que agora está cabisbaixo, evitando (tanto quanto
eu) aquelas conversas bizarras: Se faz muito calor ou frio, se temos chuva ou o
sol anda de torrar. Mas... Estou de bom humor nesse dia!
Completamente destreinada para
manter uma conversa infantil (mas nem por isso me sentindo menos confiante),
inicio uma conversa com a menina, fingindo ser um ser humano normal, desses que
sentem aquele latejante sentimento materno correr nas veias. Na verdade, só
quero mesmo é evitar mais uma conversa estúpida com o pai dela sobre
tempo e afins. Vendo-a com sua mochila de escola, pergunto com aquele jeitinho imbecil que
usamos para falar com cachorrinhos peludos e fofinhos:
- Foi pá aula, foi?
- Foi pá aula, foi?
- Xim!
- Aprendeu muito? Já sabe o
BeaBá?
- O que? – “Beabá?” ela
repete, confusa.
- Sabes ler? – Repito a sentença
de outra forma.
- Xim!
- Mas sabes ler tudo já? –
Insisto, esticando a conversa um ou dois andares mais.
- Um pouco – diz a menina,
começando a esconder a cabeça entre as pernas do pai cabisbaixo.
- “Um pouco”? Ah, mas um pouco
já dá para o gasto! – Digo, tentando
ser positiva e estimulante.
- O que ela disse, pai? – Ela
pergunta agora ao ascendente, usando-me em terceira pessoa, mostrando-se
bastante curiosa por compreender minha dialética pouco infantil convencional.
Tentando ser entendida antes
que um desconhecido (ainda que o pai dela) tente explicar meu clichê, corrijo:
- Aposto que já quebra um galho
esse “pouco” que você é capaz de ler! - E não sei porquê, estupidamente comicamente, simulo aspas, balançando dois dedos de cada mão encima da minha cabeça gigante.
- O que?
Esse papo furado já está me
enchendo. Minha conversa não agrada, e ainda por cima me envergonha... Estou me sentindo débil mental agora.
Sem me dar por vencida, volto a bater na tecla:
Sem me dar por vencida, volto a bater na tecla:
- Estou dizendo que certamente
você já deve conseguir ler um livro inteiro. – Digo isso de forma bem babaca, e penso na menina com
uma obra de Pablo Neruda em mãos. Meu Deuzzz! De repente lembro porque nunca converso no elevador!
Desisto. A conversa acaba e ainda
faltam dois andares para chegarmos. Não quero mais esticar a conversa. Pelo
visto, nem ela. Sorrio amarelo. Seu pai estava certo desde o princípio em
manter uma postura cabisbaixa e distante. Eu e a menina ficamos nos olhando.
Dessa vez, finjo um sorriso daqueles de quem está se derretendo pela criatura e
sua mochilinha rosa. Finjo que sou normal e que gosto de crianças; que o dia a
dia delas me interessa, que tenho algo maternal correndo dentro de mim, que toda essa conversa sem sentido teve algum valor, que normalmente não encabeço conversas sem pé nem cabeça com desconhecidos...
Ah, eu até me sinto meio
monstro social, mas não posso fazer o tempo voltar e ficar de boca fechada. Antes eu tivesse aproveitado esses infinitos segundos para fazer campanha contra o PT...
Ou melhor: Antes eu tivesse olhado a parede metálica do elevador em silêncio, durante os dez andares de viagem, como costumo fazer com esses vizinhos de prédio e seus filhos, que não me interessam em absoluto!
Ou melhor: Antes eu tivesse olhado a parede metálica do elevador em silêncio, durante os dez andares de viagem, como costumo fazer com esses vizinhos de prédio e seus filhos, que não me interessam em absoluto!
Será que só EU fecho a porta do elevador às pressas quando alguém está prestes a chegar nele? (completamente
Será que só EU me enrolo com
as compras do supermercado na garagem ao ver alguém esperando por mim com a
porta do elevador aberta? E aí digo: “Pode ir, eu tenho mais compras para tirar
do carro” (quando tudo que tenho já está ali, mas prefiro pegar o próximo
elevador, SOZINHA)!
Será que só EU desço/subo no
elevador do prédio onde moro, torcendo para ele não parar durante o percurso, e
alguém entrar nele?
Será que só EU finjo estar
procurando algo na bolsa quando estou acompanhada de desconhecidos no elevador?
Será que só EU me irrito tanto
com essas conversas vazias de elevador ao ponto de ter criado uma fobia aversão
contra elas?
Será que só EU finjo falar no
telefone quando estou no elevador com outro ser humano? PS: A dica de fingir
falar no celular também vale quando estou saindo a pé pela portaria (para não ter
que falar com o porteiro), tsc tsc tsc...
Não é fácil ser ANTI social...
Mundo animal!