O
susto de retornar ao Brasil depois de ter vivido alguns anos no exterior...
Depois
de trinta e oito meses morando fora do Brasil, VOLTAR não é uma tarefa
fácil e explicarei os porquês baseados em muita confusão mental:
Para
mim, o primeiro ano que vivi na Alemanha foi a primeira vez de muitas coisas:
de lugares que em um tempo remoto eram muitoooo longe, e que de repente,
passaram a ficar muito perto: Tchéquia, Itália, Dubai, Áustria... A primeira
vez que pisei em solos até então distantes, a primeira vez que comi vi
neve, que andei em trem rápido, que andei em bonde como meio de transporte
comum e corrente, a primeira vez que estudei com gente de toda parte do mundo,
em outra língua, onde era considerada estranha estrangeira... No meu
primeiro ano fora de casa tive a certeza que retornaria ao Brasil apenas para
fazer férias, matar saudade de familiares e amigos, sempre com uma passagem de
volta. Eu não pensava em sair de lá. Gostava da liberdade de fazer comprar e ir
ao cine de bicicleta, de ter que aprender o novo idioma para sobreviver
sozinha, gostava do contraste de cores e línguas nas ruas, de ter inverno no
natal ao invés do calor de 30 graus...
Bem,
mas igual paixão de carnaval, minha paixão pela Alemanha esfriou: A neve só é romântica
quando cai do céu, pois quando seca, emporcalha tudo: a casa, os bondes, a
cidade... Ela ainda tem aquele estado gelo liso nas estradas que
o faz cair pelo menos uma vez por dia. Às vezes ela forma uma arma pontiaguda
nos telhados das casas, e despencam em cima de cabeças transeuntes que passam
pela calcada... O inverno é constante, as temperaturas são abaixo de zero, não
há nada que você possa fazer fora de casa, sem cachecol, luvas, chapéu e casaco
de urso. O frio alemão encheu o saco e azucrinei a cabeça do meu marido para
voltarmos ao Brasil, onde o calor está garantido praticamente o ano todo,
apesar da Skol cerveja brasileira, de acordo com o critério dele, ser refrigerante.
Pensar
no Brasil, estando fora de casa é imaginar um paraíso cheio de cores; é lembrar
de gente alegre e reboladeira, de sorrisos fáceis, de feijão com arroz e
coxinha com catupiri, como manjares de deuses em terra de reis! Já não dizia o
poeta que nossas lembranças são sempre mais bonitas em nossa memória?
A
organização, pontualidade, rigor, seriedade e compromisso dos alemães me
deixaram mal acostumada. O que no começo pareceu um pouco exagerado (pois
lá, até ônibus é extremamente pontual), agora sinto falta e me debato entre as
paredes com a lerdeza do brasileiro em sua prestação de serviço, em seu jeitinho
de deixar tudo para amanhã...
Faz
dois meses que chegamos em Sorocaba, uma cidade do interior de São Paulo que
cresceu muito em pouco tempo, dando a impressão de que as pessoas (tanto no
trânsito quanto nos negócios) não conseguiram acompanhar esse movimento de
expansão. Nas ruas, os motoristas (apesar de não serem agressivos), dirigem
como se fossem todos amigos, conhecidos do brejo. Eles cortam sua
frente, sinalizam para o lado esquerdo e viram para o direito, sinalizam para o
lado direito e vão a lugar algum, estacionam na marginal, empacam quando o
farol abre... Ao ver o caos no trânsito de interior, comecei a dirigir com
minha bola de cristal.
Aqui
no condomínio onde moramos, a velocidade máxima permitida é 30 Km/h, mas parece
que quem respeita limite de velocidade é trouxa, pois sempre há um apressadinho
grudado no seu rabo, mostrando o quanto você é lerdo.
Para
os primeiros dias em Sorocaba, alugamos um carro na Hertz, mas ao contrário de
nos darem o carro que reservamos, quiseram nos empurrar um carro batido na
lateral, onde a porta só abria com força.
Ao
telefone, quando ligamos para empresas que nos prestam/prestaram serviço, tipo:
lojas, imobiliária, corretor, contador... o povo atende falando o próprio nome,
mais ou menos assim, como se tivesse acabado de acordar:
- Júúúlio!
- Júlio? – pergunto - Não é da imobiliária?
- É sim, quem fala?
- Bom dia! – eu insisto eloquente, na tentativa de
educar as pessoas que falam/atendem mal ao telefone.
- Quer falar com quem? – ele insiste em pular a
etapa do nhê nhê nhê.
- Bom-dia?- Repito.
- Pois não. – sinto que está perdendo a paciência.
- O senhor não sabe falar bom-dia? É da imobiliária ou
da fazenda? Se é da imobiliária, deveriam colocar outra pessoa para atender o
telefone, pois o senhor é rude, está despreparado! – Eu o provoco. – Se
é da fazenda, entendo que eu esteja falando com o cavalo...
- Sim, bom-dia. – o cidadão finalmente
contesta.
- O senhor não gosta do seu serviço??- Mudo de
assunto: - Gostaria de falar com a Solange...
- A Solange saiu para almoçar, mas
retorna em 15 minutos.
- O senhor pode anotar meu número e
pedir para ela retornar?
O
homem anota meu nome e número, com a promessa que a tal Solange retornará em
seguida. O dia passa e nada acontece... Retorno a ligação no dia seguinte, o
"procedimento" se repete. Minha primeira ligação à imobiliária é
efetuada na quinta-feira, e só consigo falar com a fulana na terça da semana
seguinte (isso porque tornei a ligar e insistir, pelo menos, cinco vezes). Meus
nervos, a essa altura, já estavam em frangalhos, achei que iria enfartar.
A batata quente estoura na Solange, a energúmena que não sabe retornar ligações
de clientes.
Esse
tipo de atendimento é comum em quase todos lugares por aqui. Outro tanto, é que
o povo dos negócios de Sorocaba, mesmo quando não cumpre prazo, quando troca a
cor da sua mesa branca por preta, quando marca com você uma reunião e não
aparece... Não sabe se DESCULPAR! Não importa como eles o façam de palhaço, ao final,
o BOBO sempre será você!
Compramos
móveis em uma loja “tradicional” da cidade, e quando finalmente nosso pedido
chegou, a entrega veio incompleta (segundo o vendedor, só Deus sabe
quando virá o resto dos móveis); o espelho do guarda-roupa estava quebrado, uma
cômoda veio com a cor trocada. Ao ser questionado, o montador deu de ombros e
levantou as mãos para cima, como se não tivesse nada a ver com isso:
-
Veio assim da fábrica!!!
Prefiro
não dizer o que fiz com o montador, o que disse ao vendedor e como os ameacei de
morte judicialmente, caso não trocassem imediatamente o espelho e
corrigissem todos as cagadas os erros.
Depois
de muito andar com corretores, de imobiliária em imobiliária, alugamos uma casa
como queríamos (ao menos, pensamos que sim). O proprietário contratou um pintor
antes de chegarmos para viver no imóvel, que impermeabilizou portas e janelas,
pintou sala, quartos, colocou azulejo nos banheiros... Quando vimos a casa pela
primeira vez, foi amor à primeira vista. No entanto, quando chegamos de mala e
cuia, a dor de cabeça começou... O pintor que esteve aqui, sozinho, conseguiu
destruir a casa inteira. Lavou os pinceis de tinta no tanque e entupiu todos os
encanamentos. Envernizou janelas e portas, e não deixou nenhum trinco ou
fechadura no lugar. Nada abre ou fecha aqui, sem uma dose de violência. Ao
pintar os cômodos, tirou tomadas das paredes, e deixou todas moles, para fora,
quebradas. O azulejo que colocou na parede do banheiro está oco, prestes a
desabar. O cara da imobiliária veio tantas vezes aqui para atender nossas
reclamações que já somos íntimos o suficiente ao ponto de ele nos convidar para
tomar uma gelada...
A
NET nos deixou esperando um SÁBADO inteiro dentro de casa pelo instalador. Uma
hora antes de terminar o horário de expediente, liguei para a central e fui
informada que nossa instalação foi cancelada. Eu não sei o motivo até agora, e
acho que a atendente da NET também não, ou ao menos, não conseguiu se explicar,
pois inventou todo tipo de baboseira, sem ao menos se desculpar por não ter
dito que poderíamos ter aproveitado o sábado de sol para sair de casa, no lugar
de esperar o instalador que jamais chegaria.
Absolutamente
NADA do que compramos, fizemos, pagamos ou solicitamos, em termos de serviços e
produtos desde que chegamos no Brasil até agora, deu certo no primeiro intento.
Nada aconteceu sem antes eu me descabelar e enfiar os dedos na tomada.
Nas
Casas Bahia, compramos uma TV equipada com firulas que jamais saberemos
para que servem, apenas porque ela tinha WiFi; era um de nossos principais
interesses... Nem preciso dizer que quando fomos testar o WiFi da TV, ele
simplesmente não existia. Ligamos para a loja, falamos com a vendedora, com o
subgerente, com o gerente, com o Papa... A fabulosa proposta que nos fizeram
foi pagar 400 reais de diferença para pegarmos um modelo com 3D e games (nós
não jogamos), e esperar 15 dias para a substituição (pois eles só poderiam
pedir outra, mediante a entrada da nossa...). WTF?
Gentem,
não é por nada não... mas mulher vendendo eletrodoméstico em lojas, só
pode dar merda, né? Em uma loja de construções, uma garota completamente
confusa, nos atendeu quando chegamos para comprar chuveiros. Meu marido fez
algumas perguntinhas básicas e a pobre ficou desorientada, parecia que havia
sofrido uma verborragia cerebral, pois começou a falar coisas estúpidas, que
não faziam sentido. Fiquei com pena dela..., quem é o psicopata que faz isso?
Como deixam uma criatura com seios em setor de ferragem, eletrodomésticos e
tensão?
Aos
poucos, contarei mais dessa aventura que está sendo meu regresso ao Brasil. Eu
preciso readaptar logo, principalmente em Sorocaba, para não enlouquecer ou
deixar o povo daqui doido!!
Se
você duvida do jeitinho brasileiro e suas múltiplas facetas, com
certeza adoraria conhecer o jeitinho Sorocabano, rsrs
mas isso é uma outra história...
But... I wil survive!! Wellcome to Brazil!
kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk Desculpa, mas tenho que rir. Ai minha linda, bem vinda ao Brasil. Sei exatamente o que você está passando, infelizmente sem poder comparar, uma vez que só sai de Minas Gerais pra conhecer as praias dos farofeiros, onde só dá a gente mesmo: mineiros. kkkk
ResponderExcluirOlha, amei o texto...aliás, tudo o que você escreve é de uma fluência, é uma delícia de ler.
Guenta firme, querida, aproveite o lugar lindo em que está morando agora (vi as fotos no face) e antes de querer esguelar todo mundo, ande por aquelas trilhas lindas, contando até mil.
Beijos, minha linda. Força ai, logo logo sua casa estará do jeitinho que vc precisa. Oremos! kkkkkkkkkkkkkkk
não consigo parar de rir, "seria cômico se não fosse trágico" (essa é péssima rs). essa, digamos, tragicomédia é tão comum por aqui que andamos anestesiados. não é só em sorocaba não, isso acontece por aqui corriqueiramente. quero acreditar que no sul do país isso não aconteça, pois nasci no ms, cresci no interior de sp e hoje vivo em mg e desconheço "o velho e bom atendimento". quero crer que no sul as coisas são diferentes (isso é hipotético, pois minha família veio de lá). não nos deixe mais sem sua opinião, ela nos choca, mas nos diverte ainda mais. bjos.
ResponderExcluirGeyme, este breve relato mostra que o seu modo peculiar de descrever coisas e fatos continua imbatível. Entendo a sua ambiguidade de sentimentos em relação à Europa. Passado o deslumbre, a venda do encantamento sempre despenca. Não demora a visão edênica que, saudosa do Brasil, deves ter construído, também desabará. Aqui não tem neve, mas as secas e as enchentes matam. E a corrupção e as decorrências desta provocam muito mais calamidades que aquelas. Esteja certa de que a pós-graduação de civilização que você fez na Alemanha não vai lhe facilitar o trato com a barbárie do povinho lerdo e incivil da Terra Brasilis. Muito pelo contrário. Nooossa! Pelo descrito, você já constatou que os “profissionais” tupiniquins são INCRÍVEIS! Mas, pelo amor da santa, me conta se vocês já foram tomar uma “cerva” com o corretor, e, principalmente, o que você fez com o tal montador de móveis! Kkkkk. Amiga, a demora em instalarem a NET não é nada, se comparada à má qualidade da infeliz (O que irás constatar e dar pulinhos de ódio. Rsrsrs). TV com Wi-Fi aqui é pegadinha. No Brasil os equipamentos com hight tecnology não funcionam exatamente por não existir a tal hight tecnology. Pobre Sorocaba! Mal chegou, a Geyme já está SOROCABANO com todos e com tudo. Kkkkkkk. Desespere-se não, my lady. Eu sei que é difícil, mas “em terra de sapos, de cócoras com eles”. Rsrsrs
ResponderExcluirPois é Geyme, por coisas assim que estou de saco cheio de morar aqui.
ResponderExcluirE olha que nem conheço a qualidade dos serviços em outros países, se conhecesse, acho que enfartaria.
Santa ingenuidade Robin Geyme!
ResponderExcluirO Alemão aqui no Brasil é o filho do azulejista, uma mistura de loiro com nego-aço, nossas estalactites são sociais, surgem em forma cultural e nossas estalagmites são nossas reações adversas.
A burrice brasileira mediana é o frio de alguns graus abaixo de zero, assim como a nossa educação e nossa nota média cultural, nossa nota do Enem.
A Net, Casas Bahia, Imobiliárias e seus outros novos karmas são as maldades do 4º. Reich no sentido de império dos condescendentes.
Au Revoir Mädchen o refrigerante por vezes estará amargo, não descerá goela abaixo, por que duvidaste que o inferno era quente?
Quente como o fora em Sta. Maria, quente como o povo e seu jeitinho quente de ser, a boa educação segue sendo nosso ar condicionado, nosso jeito carrier que rebater, esfria a paixão tupiniquim.
A lógica esfria os relacionamentos...
Eu que vivo 36 anos por aqui tenho saudades do Brasil e da terra que nunca fora, Fora! tenho saudades de lugares onde nunca pisei lá fora, invejo quem por distância tem saudades desta terra, por que sempre penso em uma maioria que nela pisa, que por ela circula e isto é uma grande "desillusionierung".
Trafego sim pelo tradutor até para compreender a minha língua pátria mãe nem sempre gentil, que entre outras mil és tu Brasil oh pátria amada, dos filhos deste solo és mãe gentil, pátria quente em demasia Demasil.
Over total!!!
Você falou tudo o que senti e passei quando mudei para Campinas. Apesar de trágico, sinto-me reconfortada com os seus relatos, pois sei que não sou a "extraterrestre" e mal-humorada nessa vida. Eu sou do Norte do Brasil e achava que as coisas aí no Sudeste eram "mais civilizadas", organizadas e melhores que qualquer outra região Brasileira, mas os maiores momentos de raiva que passei por conta dessa lerdeza, dessa falta de comunicação, dessa falta de respeito com o consumidor (net, imobiliária, Casas Bahia e muitas outras mais) foi no interior de São Paulo. Enfim... não tem muito o que fazer, né? paciência... paciência...
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